Vigésimo terceiro escrito
Hoje enquanto corria pensei num escrito a ser escrito abordando a naturalidade (no caso sua ausência ou desimportância) das identidades de gênero e orientações afetivas e sexuais. Talvez uma hora escreva sobre isso. Mas o que está pedindo espaço agora é sobre a natureza das ansiedades. Sobre a dor no peito (não a bonita), a falta de ar, a eletricidade, o ruído incessante, o diabo no ombro tentando me fazer lembrar de alguma coisa errada que eu muito provavelmente não fiz. Sobre dias difíceis que pelo menos têm razão de ser, se ancoram em coisas materiais do mundo real. Sobre os dispositivos que desenvolvo para silenciar os ruídos, sobre o lugar da corridas, mas também sobre a natureza de fumaça da ansiedade que lhe permite se espalhar para outros lugares e voltar para mim quando eu achava que tinha me livrado. Sobre aquela sensação cruel de retrocesso (armadilhas nas quais não quero mais cair), mas muito sobre minha relação com a ideia de controle. Tenho achado que é perigoso abrir espaços para o acaso em dias assim. Preciso me manter mais atenta e vigilante, e isso inclui evitar movimentos que poderiam me dar alguma vibração e intensidade. Uma das crueldades da ansiedade está exatamente aqui, em tornar ameaças lugares que deveriam me fazer me sentir viva. Volto ao tema inicial – não me interessam as razões bioquímicas da ansiedade com a ressaca, interessa-me o perigo que a ausência de ordem, controle e previsibilidade representa para uma cabeça que está se esforçando para não manter tudo tomar no cu de uma vez. Abrir portas para que minha mente se manifeste sem pensar demais nesses dias pode ser tudo o que eu preciso para quebrar. Ao longo dos últimos anos aprendi a ser quem ainda consegue abrir os olhos e no outro dia assistir tevê, mas tenho que ter o direito a ser como o barro. E evitar o toque de uma dessas balas que não mais atendem ao gatilho.