Caderno de tanto

Trigésimo segundo escrito

Já fui mais apegada à ideia de que dias têm início, meio e fim. Sinto mais isso sobre semanas do que sobre dias. Nossas maluquices de ordenamento. Nossas pretensões. Não acredito em nada além do que duvido. Hoje não é 22 nem 23, mas também sei lá se é 24. Hoje é minha tatuagem na mão esquerda ajudando minhas unhas lilás a segurarem o caderno sem saber bem por quê. Sem saber do tanto que ficou pra trás ao longo desses temporais. Coisas de que a gente acaba nem dando falta no meio de tanto. Detalhes que a gente só lembra quando vê por acaso numa foto antiga ou quando um cheiro ou ruído aleatório e específico faz lembrar, e a gente fica tipo, nossa, tinha isso, onde foi parar? Ficou pra trás. O alívio de ter passado por aqueles dias foi tanto que você nem reparou no que a enxurrada levou. E de perda em perda você vai se reconstruindo, reencaixando as peças, virando outra coisa sem perceber. Outros arranjos, outras combinações, que fazem levar verdadeiros sustos quando você olha e percebe. Quando foi que? Como foi que? Já não dá pra mapear, e sinceramente também pra quê mapear? Que diferença faz a frente fria ou o ciclone, se essa cicatriz foi uma mordida desse ou daquele demônio? De perda em perda eu me componho em novos e inesperados encaixes. De onde vem isso de querer ser desejada de novo? Sinceramente, pra quê isso? O que isso vai me trazer de bom? Qual combinação enjambrada pode ter aproximado essa reconexão de partes que eu tinha conseguido separar? Saber que eu mereço mais pode ser bom, mas querer o que sei que mereço dói. Maria, hoje essa combinação de insegurança, vaidade, hiperatividade, extroversão, carência e ansiedade. No liquidificador com o tahine que não comprei no sábado, com os limões que vão ficar ruins antes que eu compre o tahine, com pimenta demais e sal de menos. E com uma raiva que eu não escolhi como ingrediente mas que dá um tcham que eu não sei se gosto ou não.