Décimo primeiro escrito
Que fenômeno indecifrável e magnífico o dos relacionamentos humanos. Acho que o que há de mais bonito é que nada faça sentido, e cada sentido que se inventa vai tirando um pouco do que há de instigante nessa coisa maluca de duas pessoas trocarem porções de si uma com a outra. Tudo poderia ser só o que é. Mistério sempre haveria de pintar por aí. Acho que não vai ter jeito de encarar isso das trocas entre pessoas se eu não abstrair até um nível sem nomes, regras ou ritos. Todas as relações entre duas pessoas são relações, e os infinitos caminhos que elas seguem são únicos, não podem ser enquadrados em tipologias. Eu sou das ciências humanas, eu sei que ordenamos as coisas a posteriori para ordenar nosso próprio universo, e sei que as categorias que criamos gnanham agência logo após o nascimento e então passam a agir sobre os objetos que se pretendia que meramente organizasem. Claro, a pretensão da mera organização foi de quem inventou as categorias – ganhar autonomia e se desindexar da origem é da natureza das palavras, nós que insistimos em achar que podemos domá-las. Aí a merda já tá feita. O nome que demos a essa relação agora virou um vasto conjunto de ritos, signos, regras, expectativas e outros atributos que vão acometer novas relações de escolhas de caminhos que, antes da categoria, não estariam colocados. A gente faz isso com tudo. Quando descrevemos uma coisa ela vira outra coisa e faz com que outras coisas sejam ainda outras coisas diferentes do que seriam se não tivéssemos nomeado essa primeira coisa. Tudo o que tem nome existe. Tudo o que foi inventado existe – agora precisa de um nome. E todo nome vira coisas. E assim até que nosso Sol vire uma Gigante Vermelha (to só por esse rolê). E daí vêm as expectativas. E as responsabilidades. E os medos. Uma doutoranda em ciências humanas que não quer categorizar o mundo. Delícia de contradições. Chove avacalhadamente no centro histórico de uma cidade de mentira no Planalto Meridional. Incenso pela metade. O disco do Album Leaf rolou bem demais. Acho que vai dar tudo certo. Mas se não der também vai ficar tudo bem. Meu nome é Maria. Eu estou orgulhosamente enquadrada dentro de umas tantas categorias (em outras sem tanto orgulho, e beleza). Há de haver um caminho entre a agência das categorias e a liberdade da abstração. Mas só cutucando pra saber.